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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

POEMÁGUA


(Enchente em Joinville - foto que circulou pela internet)



Água chorando dos céus
cai agressiva
desliza pelas terras

não há mais ingestão
não há mais espaço na líquida margem
não há sol-ução

nem o vento furioso, nadem,
nada mais absorve

Agora é a vez...
Dona Água é quem nos engole.



segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Guerra a quatro patas: ritmos adultos e melodias infantis

É guerra dentro da gente. Já com quatro patas a engatinhar tentar o impossível. A simplicidade navega pelas bordas da embarcação. Criança tem tema, enredo, estrutura e linguagem. Literatura e poesia, canção e ruído, verso e ritmo. A natureza exótica num conceito antigo. Um veículo da arte sem estar a serviço da arte. Uma atitude anti-dirigista irrompendo o decreto de funções, utilizações e modelos de comportamentos.

Deixar o sentimento deslizar pela boca. Facilitar a metamorfose ambulante do mundo. Chorar quando necessário, gargalhar quando conveniente e mostrar os caninos quando preciso. Não deixar habitar vergonhas e indiferenças, não se acorrentar em malícias ou falsos sentimentos. Brigar, pular, berrar, esquecer, desafiar, propor, deleitar. É ser infantil e não infantilista. Abusar da sinceridade. Achar o mundo perfeito. Quando não é! Não é? Não! Quando pode ser! Será?

De certa forma, ser criança é se libertar da superfície chamada “razão”, que impõe regras e reprime o desejo de mergulhar profundo. É fazer, ir, mais além que uma receita de bolo. É se lambuzar, desconstruir e testar idéias, deslizar pelo novo e interiorizar sensações, não compactuar verdades absolutas, voltar a experimentar sabores que estavam esquecidos, ter essência, medo. Mas, ser criança não é ser imaturo, nem nostálgico. É adaptar alguns itens do cardápio da infância com desejos e obrigações e não deixar que a estaca da responsabilidade censure o instinto da liberdade. É harmonizar atitudes e conceitos.

As obrigações das fases posteriores (ou o estresse, mesmo) atraem outros mundos, alguns, paralelos. Problemas, maus-humores, rancores. Falta de sinceridade com a gente mesmo. Engasga como fosse uma azeitona presa esperando uma pancada nas costas para cuspi-la. Parece aquele cara da propaganda eleitoral que tem uma abelhinha no ouvido. Só faltava começar o texto dizendo: faz quatro anos que uma azeitona entalou na minha garganta...

Criança transcende qualquer conceito, apesar dessas palavras. Dia comemorativo é só para homenagear, ou reforçar o esforço de libertá-la, como no meu caso. E ainda tem gente que detesta que criança seja criança.

(Crônica publicada na revista Premier - Edição nº 24 - Outubro 2008)
http://www.revistapremier.com.br/pagina_nova.asp?id=386&trava=Crônica

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A complexidade do público e privado

Difícil de conceituar, ou até mesmo, diferenciar o “Público” do “Privado”. Poderia sair pelas ruas de qualquer cidade, olhar a igreja, praça, prefeitura, posto de saúde, hospital, centro histórico e nominá-los como um ou outro. A questão estaca no peito algo mais profundo. O surgimento de novos espaços privados, semi-privados, semi-públicos, público-privado — shopping, espaços de lazer de condomínios privados, casa de recepções, espaços virtuais, órgãos públicos com administração privada — de certa forma assumiram uma função acolhedora da vida urbana. A nova configuração possibilitou novas interações sociais. Será que de certa forma decretamos a morte de alguns espaços públicos urbanos? A praça, abandonada, pode ser considerada morta por alguns. Para outros a praça não morre, está ali. Pode sofrer mutações, transformar-se. assim como, os conceitos ocidentais que levamos dela, a luta contra a lógica dominante dos sistemas.
A confusão entre o público e privado remete a uma das principais causas do caos urbano. É uma mistura de fatores históricos com a tendência neoliberal de privatização dos espaços. A mistura das antigas definições com a complexidade de teorizar as mudanças. Uma longa corrente presa ao pé. Os motivos pessoais sintetizam o entendimento de que são sempre mais importantes que os coletivos, alimentando uma espécie de barreira invisível, um narcisismo massivo. A vida privada está sendo trazida ao contexto público. Os espaços públicos onde as pessoas discutiam a gestão de assuntos de interesses comuns se transformaram em espaços publicitários. A paisagem pública passou a ser midiática. Os cidadãos cumprem seu papel: consomem informações.
Definir que tudo que não público é privado ou que tudo que não é privado é público é convencional. Porém, real – talvez a primeira definição que venha a cabeça. Num mesmo ambiente, dois ambientes. As entranhas da discussão parecem estar em delimitar as fronteiras. O público remete a algo de contexto social, coletivo, espaço onde ocorrem as relações políticas, contrasteando, o privado, com sua particularidade-privada-desigual: o shopping, publicizando o espaço e ao mesmo tempo vendendo seus serviços – todos podem estar, nem todos podem consumir. Na internet essa divisão parece não existir. Ao mesmo tempo em que o indivíduo fica privado no quarto, em seu computador, fica exposto ao público, seja através de comunidades, sites, blogs, provocando uma comunicação ampla, flexível. É através dela também que aumentou o espaço comercial, deixando muitas dúvidas sobre seus processos para a inclusão social.
A reformulação dos conceitos desses espaços, ou, um conceito novo, deverá surgir como necessidade para que sejam subtraídas algumas perguntas crônicas. A flecha da intensidade das transformações urbana, a meu ver, criou esses espaços contemporâneos, hoje também resultado das tecnologias da informação. Essas mudanças parecem que remetem o deslocamento dos espaços aos sujeitos humanos, e não mais dos sujeitos humanos aos espaços. Esse mesmo sujeito humano, que tinha vida privada, coloca em xeque agora seu caráter privado (sexo, família, preferências pessoais), e não mais somente sua performance pública. Parece ser absorvido pelo mercado e não mais pelo estado, família ou religião.

(Texto impresso na edição nº 70 do Jornal Experimental Primeira Pauta)

domingo, 10 de agosto de 2008

Outras perdidas por aí ººº



Descobri que era sim
me cobri de um não
mesmo sendo assim
mesmo sendo não

ººº ººº ººº ººº
Corri para fora
depois daquela aquilo
só descobri agora
que poderia ser isso?

ººº ººº ººº ººº
Na era em que velocidade da informação é fetiche
não resta muito tempo
para que o relógio deslize


segunda-feira, 30 de junho de 2008

Recalque de sintoma obscuro

Ela saiu sem dar tchau. Correu pelas ruas e roubou doces das bocas de crianças. Furou filas dos bancos e pulou roletas na estação. Correu pelas calçadas derrubando latas de lixo e espantou os pombos da praça. Transou no elevador com um estranho e cuspiu do alto dos prédios. Recitou besteiras ao pé do ouvido e gozou sementes de ópio. Foi esposa e amante, mãe e filha. Comprou roupas, carros e acessórios banais. Renegou seu passado e acertou suas contas. Lavou e centrifugou roupas sujas de verbo e lama. Leu aquele antigo livro e mastigou suas páginas. Saiu daquela razão ridícula e mergulhou em várias profundidades na imensidão de um lago. Dormiu de toca. Tomou café adormecido e inseriu doses letais de anti-ansiedade. Vomitou poesias baratas em becos imundos. Musicou seus dramas e teceu suas redes de prazer. Andou sobre brasas e queimou seus clichês. Elaborou coquetéis, levitando repentinamente, ressuscitando ao terceiro dia. Descumpriu os 10 mandamentos em pactos capitais. Absorveu o fluído: dentro pra fora e fora pra dentro. Vestiu-se de rato, gato, elefante, macaco, lobo, cordeiro, cachorro, coruja, urubu, e não pagou mais sapos nem micos-leões-dourados. Subiu no ponto mais alto e gritou. Ali, voou. Atirou-se por mais de cinco eternos segundos. Planou além do ar, todavia, libertou-se apenas de algumas prisões. O que ela alimentava não poderia ser explicado, medido e nem entendido. Em alguma forma que ela estava, sentiu saudades. Sentiu-se presa. Perguntou-se então: sou livre?

(Texto elaborado para a 7ª edição do Sarau Palavras Acústicas)

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Vídeo do Sarau Palavras Acústicas

O Sarau Palavras Acústicas surgiu da iniciativa dos acadêmicos do curso de Jornalismo da faculdade Bom Jesus/Ielusc, de Joinville. Assista. ...

terça-feira, 6 de maio de 2008

Trocadilho com Lynyrd Skynyrd


Ar cortante, decifre
olhos comuns não enxergam
há muitos lugares que preciso ver
Tampouco vapores, tampouco celeste

Nada resta, que virá? 
Esse pássaro você não pode mudar
pássaro que
 plana alto
descerá (outros lugares)
longe (ou ao lado)
cintilantes
ao acaso
cortantes
como o ar que decifra 
voe alto
pois o céu
não se mede





segunda-feira, 5 de maio de 2008

Gesto


Olhos acenavam
(ainda que o corpo fosse estático)

pouco dizia

descrevia em carne e couro



domingo, 27 de abril de 2008

RASANTE




Aos pousos rasos
tropicava
distraía seus tombos
rolava ao chão entre galhos e pedras

emaranhava
retraía os músculos da testa
dopava-se de dores

emancipava
costurava autonomia
vestia-se de pássaro

caía
subia
descia

pousava raso e voava profundo


segunda-feira, 7 de abril de 2008

Máximas oscilantes


Depois de algum tempo escondido resolvi sair de dentro da garrafa. Não como gênio. Muito menos como quem espera um gênio. Simplesmente como alguém que sai de dentro de uma garrafa. Era sufocante. Nada como estar fora. O relógio girou os ponteiros tão rápido que meu tempo não pode acompanhar. Afinal, era uma garrafa ou uma máquina do tempo? As coisas estão aí. Algumas outras que estavam, não. E essas perguntas me faço: Quem estava? O que estava? Não me lembro! Não lembro! Talvez não devesse lembrar. Algo está ausente. Mas isso não é jogo dos sete erros! O que eu devo procurar? Algo pode estar faltando em qualquer parte, movimento, plano de fundo. O que devo distinguir é se realmente essa ausência faz diferença. Caso contrário deveria deixar como algo que sei que falta, mas não me impede de viver. Dizem que quando a gente não lembra é porque realmente não é algo importante. Dizem outras tantas coisas. Com o tempo talvez não perceba a ausência. Aliás, ela deve deixar de existir. Mas também pode aflorar. Apesar da segurança, preferi o risco. Saí arrotado. Percebi que caibo em pequenos lugares e por menores que sejam, não são desproporcionais pela espacialidade. Na garrafa que me escondi, escrevi um recado. Depois tampei-a e joguei-a ao mar. Um dia alguém a encontra. Hoje, aqui e agora, ainda procuro o motivo pelo qual saí. Creio não estar relacionado com uma ausência. Mas e a garrafa? Essa, talvez ainda navegue em algum ponto úmido ou tenha encalhada por areias desconhecidas.




segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

QUALQUER


Pássaros e seus cantos martelados sobravam nos verdes mais altos,
reproduzindo não só a espécie,
mas a poesia de um espaço qualquer

Pedras curvavam o meio de alguns caminhos,
simulando aos atalhos,
que seguiam rumo qualquer

Quando o corpo era somente corpo,
a alma caía pelas escadas roubadas,
entrava ao lado das portas fechadas,
seguia por uma rua qualquer