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sexta-feira, 29 de setembro de 2006

ALICE

Alice nasceu Alice
Alice cresceu Alice
Alice formou-se Alice
Alice casou-se Alice
Alice procriou-se Alice
Alice envelheceu Alice
Alice morreu Alice

Ali, se encontra um túmulo
Ali, se descobriu Alice

MALANDRINO

Galante urbano
trappolatore machiavellico
tenero vagabondo
cane selvaggio

Impatto favoloso
Indelicato malfattore
vampiro legittimo
sesso traditore

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

M I J O

Estava mijando no banheiro quando de repente algo estranho aconteceu. Escapou aquele jato — perdi assim todo o controle sob meu pinto — carimbando a tampa da privada. Olhei ao lado: no chão, duas possas reluziam aquele líquido segregado pelos rins. Uma bela arte. O brilho intenso lembrou-me as orientais pinturas. Relacionei o fato com minhas teias de conhecimento. Lembrei-me de quando  criança: brincava na hora de mijar. Fazia do ato um verdadeiro espetáculo. Tinha o mijo agressivo: aquele que sai com tanta pressão que o sujeito chega a prender a respiração. O barulho da urina em contato com a água da privada parece uma sinfonia xixilarmônica. O mijo reflexão: aquele que você fica horas de pé, olhando para o bilau e nada — enquanto isso se faz uma reflexão da vida, de repente ele começa a sair aos poucos, como uma bela borboleta destruindo seu casulo para voar majestosamente sob os céus. E aquele outro tipo que parece uma espingarda de cano duplo : saem dois tiros contínuos de água prontos para apagarem as chamas da imaginação. Não poderia deixar de fora aqui o mijo à distância, muito praticado na infância e adolescência. Segura-se o corpo do instrumento com força e faz-se pressão interna. Solta-o de uma vez e aquela mistura — água, uréia, ácido úrico e sal — levanta vôo batendo recordes. Há quem conte que certos indivíduos já ultrapassaram a marca de 10 metros, mas aí já entramos em outros méritos. Além disso, existe um fato constrangedor: mijar na cama. Engraçado, na maioria das vezes que isso aconteceu, sonhava que estava fazendo xixi, bem tranqüilo no banheiro. Sentia aquele prazer enorme: pura inocência! No inverno era até gostoso! Tem gente que acha que é só uma incontinência urinária necessária, mas o lado poético do ato de mijar viaja milhas e milhas além. Afinal, como no raciocínio publicitário do Neston, existem mais de mil e uma formas de mijar! Invente a sua!





ECCE HOMO SAPIENS

Eis o homem
sacerdote de seu princípio
aprendiz de filósofo Dionisíaco
o homem, seu próprio ídolo
irremediavelmente fatal
Ressentido, nascido de fraquezas¹
não é prejudicial a ninguém mais
que ao próprio fraco
guerreiro que vinga seus problemas
atira pétalas e chumbo
crítico da modernidade
fã da liberdade
radical em seus valores
em busca de sua maior esperança
infectado pela mágoa em si
insano pela religião e moral
mais um alto "astro do ser"
escolhido ao exílio
precipita-se com prazer no acaso
governa o mundo
chamavam-o de inspiração
eis o homem
tão silencioso quanto um canhão²
antes do tiro


1 - fragmento retirado do livro Ecce Homo (Friedrich Nietzche)
2 - frase de Heine

REFLEXO: 2

Não se esqueça
de esquecer às vezes
pois às vezes esquecer
nem me lembro mais

REFLEXO: 1

Vendo assim o mundo
acredito a cada segundo
que acreditar assim num mundo
e assim vê-lo a cada segundo
seja plenamente profundo
tão quanto acreditar nesse mundo

MOMENTO (ALGUM, DE ALGUMA SÉRIE)

Nada vejo além deste momento
sempre, além, vejo assim mesmo
Isso não passa de um vício
não caminho pra lugar algum
Existiam, fés-de-meia, pés-de-meia
acreditavam que tudo fim teria
Nada passa por minha prudência
além do vento cortante
míseros larápios
não entenderão a simplicidade
simples igualdade
pluralidade
denominarão como um descarte
Isso não passa de um erro qualquer
não caminho pra lugar nenhum
ficamos sós
(aspecto de profundo conhecimento)
momento protesto
somente
Nada vejo, além deste
e sempre, além, vejo-o

POETAS & GERMES


Decompõe-se no papel
estranhos eles

impercebíveis
como verdades

destacam-se por não destacar-se
planos vencidos

fio da faca imaginária
luz invisível

calibre da tinta
musgo do ventre

germinam

poetas e germes


PROCESSANDO

Cúmplice processo
abcesso oculto
luto distante
constante esfera

Espera mista
egoísta instante
à vante acaso
apreço místico

Nocivo lar
mar submisso
omisso abismo
cismo esteriótipo

neurótica evolução

AMORE ILLECITO




Imbecilità inabile
lezione liberale
letale libertà

Flaccidezza felice
filosofo forestiero
romanzo sanguinante


segunda-feira, 11 de setembro de 2006

CASO 2: NEGAÇÃO

Que dia: nada dá certo! Tentei me distrair. Não consigo tirar das cabeças. Noite passada: mal dormida. Sonhos embaralhados. Muito estranho. A única coisa que senti: sentimento de culpa. Afirmo: não sou culpado! Não sou culpado! Puta que o pariu! É a primeira vez que isso acontece. Tenho três filhos, 52 anos bem vividos, não vai ser agora que vou tomar esse tal Viagra.

CASO 1: SEDUÇÃO

Só de vê-la saciava uma fonte inesgotável de desejo. Adoro o cheiro. Pele bronzeada atrai o pecado. A cada mordida sinto um intenso gozo. Imenso sentimento de arrependimento. Mas, o instinto animal é fiel traidor. Hoje, com 31 anos, 126 kg, estou completamente decadente. Não como ninguém além da comida. Maldita gula!

LÁPIDE 2: OLHOS NÃO VÊEM! A ALMA SENTE!

Aqui jaz

um poeta míope










Vício 2

O galo cantava quando fui dormir. Acordei o sol já estava brincando de esconder. Assim, vários dias corridos à fio.

[Sinto que esse lado "boêmio-poético" está alterando meu funcionamento biológico e espacial.]

Só percebi quando a segunda-feira chegou.

Vício 1

Passava de duas da madruga quando levantou da cama. Dirigiu-se à cozinha para comer algo. Tentava dormir à horas. Resolveu confrontar a insônia. Comeu levemente, escovou os dentes. Voltou para a cama e sentou. Retirou do criado mudo um caderno onde descrevia detalhes das noites de insônia. Sempre fiel ao horário. Despertou através da insônia um grande talento, e nem percebeu, que há muito tempo não sofre mais desse mal.

Frusto

Carlos foi o primogênito de um casal da alta sociedade. O sonho dele sempre foi ser músico. Os pais nunca aceitaram. Formou-se em medicina há quase 15 anos. Porém, nunca sentiu prazer em atender pacientes nem no ofício. Ele sofre de insônia crônica e se sente deprimido. Carlos é um sonho frustado que foi realizado pelos pais.




Mentiras ou verdades?

De tanto mentir, acreditava que suas mentiras eram verdades. Não gostava de verdades. Quando morreu, um anjo veio lhe buscar. Não acreditou. Achava ser mentira. Quando descobriu que era verdade, decidiu acreditar que estava vivo.

Salvação

Simão da Conceição, 58 anos, pescador de profissão. Quando aporta das sua longas pescarias, a primeira coisa que faz é tomar um trago de caninha no boteco da esquina. Fuma desde os 13 anos de idade. Julga-se ateu. Desde quando casou, há 40 anos, nunca mais pisou em algum tipo de igreja, nem rezou para um deus ou santo qualquer. Descobriu que está com câncer nos pulmões e cirrose nos fígados. Levanta escondido todas as noites, liga a tela num desses programas religiosos -que prometem expulsar demônios, curas milagrosas e trazer felicidade- e não desvia um segundo da atenção. Simão da Conceição crê que não crê.


União

Silêncio e céu esquivo. Luzes repletas de insetos. Grilos em sinfonia. A lua minguante observava as estrelas. Tudo parecia ser tão leve. Na rua das Graças, número 16, o solitário Mário César faleceu. Uniu-se ao silêncio.



Recíproco

Era uma vez um marido leal. Pagava todas as contas da casa e faculdade dos filhos. Fazia amor -na mesma posição- todos os dias com sua amada esposa. Nunca chegou atrasado ao trabalho nem desmarcou um compromisso. Dormia todos os dias no mesmo horário e acordava antes do sol. Foi a rotina em pessoa. Não fumava, não bebia. Não gostava de música. Achava arte uma bobagem. Morreu aos 42 anos, vítima de si mesmo.


Nudez

O homem nú se despia. Caiam lágrimas e cinzas. O fio da faca amolou em seu pulso. Deixou cair seu último traje: o corpo. Sua alma ficou nua.


APENAS

Não há mistério
apenas dúvidas
falsas razões
fragilidades
#
Não há respostas
apenas perguntas
falsas verdades
desconstruções
#
Não há pecado
apenas lendas
falsa moral
obscenidade
#
Não há crime
apenas desvios
falsos estágios
eutanásia

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Oriundo

Eis que aqui estarei ao retorno do mundo
Esperar-te-ei ao contorno profundo
Buscando sem contingentes, simples mergulho
O que pode parecer oriundo ou absurdo


Viveis o tormento insano pelas curvas estreitas
Atormentas o que não percebes, sempre sua direita
Sorriso, a quem pode, não convém à desfeita
Construir-te-ei, e não serás meu orgulho, a tua tristeza

terça-feira, 5 de setembro de 2006

Prazer e Medo

Numa esquina qualquer
O prazer e o medo
Prazer: cantando
Medo: calado
Prazer: dançando
Medo: sentado
Prazer: abrindo
Medo: fechado
Prazer: feliz
Medo: magoado
Na mesma esquina qualquer
o prazer descobriu que o medo
é o prazer de quem não tem medo

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

LÁPIDE 1: Embalagem




Criem-me em seus pensamentos
Imaginem hipóteses
Isto é só um túmulo
Foi-se apenas a matéria

A anti-lógica poética sobreviveu!


TRANÇAS E TROÇAS

Todos esses aí
Trocados por trocados
Onde estão?
Cheios de troças
Traçados estão eles
Eles quem?
Refiro-me a quem? Qual?
Similaridade
O último tango de imbecís
Quem são imbecís?
Todos esses aí
Inclui-se o reflexo do espelho
Mão, corpo, mente, autor
Trancei-me



QUEM?

Só comigo mesmo
tolo à toa
fé-falível
obstinado-meio
alcalino
sois quem sois?
celífluo
anti-cavo
osso-do-pão-ralo
serei-o
mesmo comigo só

SENTIDOS

Sentidos
assim implicam
decompõe-se
chama acesa

Fortes
inspiram lógica
indicam
o quase entender

Crus
prontos-semi
digeríveis
guiam-nos

Caminhos



Certo e Errante

O primeiro: perto
O segundo: distante
O primeiro: formal
O segundo: quebrante
O primeiro: esposa
O segundo: amante
O primeiro: pronto
O segundo: mutante
O primeiro: certo
O segundo: errante