Difícil de conceituar, ou até mesmo, diferenciar o “Público” do “Privado”. Poderia sair pelas ruas de qualquer cidade, olhar a igreja, praça, prefeitura, posto de saúde, hospital, centro histórico e nominá-los como um ou outro. A questão estaca no peito algo mais profundo. O surgimento de novos espaços privados, semi-privados, semi-públicos, público-privado — shopping, espaços de lazer de condomínios privados, casa de recepções, espaços virtuais, órgãos públicos com administração privada — de certa forma assumiram uma função acolhedora da vida urbana. A nova configuração possibilitou novas interações sociais. Será que de certa forma decretamos a morte de alguns espaços públicos urbanos? A praça, abandonada, pode ser considerada morta por alguns. Para outros a praça não morre, está ali. Pode sofrer mutações, transformar-se. assim como, os conceitos ocidentais que levamos dela, a luta contra a lógica dominante dos sistemas.
A confusão entre o público e privado remete a uma das principais causas do caos urbano. É uma mistura de fatores históricos com a tendência neoliberal de privatização dos espaços. A mistura das antigas definições com a complexidade de teorizar as mudanças. Uma longa corrente presa ao pé. Os motivos pessoais sintetizam o entendimento de que são sempre mais importantes que os coletivos, alimentando uma espécie de barreira invisível, um narcisismo massivo. A vida privada está sendo trazida ao contexto público. Os espaços públicos onde as pessoas discutiam a gestão de assuntos de interesses comuns se transformaram em espaços publicitários. A paisagem pública passou a ser midiática. Os cidadãos cumprem seu papel: consomem informações.
Definir que tudo que não público é privado ou que tudo que não é privado é público é convencional. Porém, real – talvez a primeira definição que venha a cabeça. Num mesmo ambiente, dois ambientes. As entranhas da discussão parecem estar em delimitar as fronteiras. O público remete a algo de contexto social, coletivo, espaço onde ocorrem as relações políticas, contrasteando, o privado, com sua particularidade-privada-desigual: o shopping, publicizando o espaço e ao mesmo tempo vendendo seus serviços – todos podem estar, nem todos podem consumir. Na internet essa divisão parece não existir. Ao mesmo tempo em que o indivíduo fica privado no quarto, em seu computador, fica exposto ao público, seja através de comunidades, sites, blogs, provocando uma comunicação ampla, flexível. É através dela também que aumentou o espaço comercial, deixando muitas dúvidas sobre seus processos para a inclusão social.
A reformulação dos conceitos desses espaços, ou, um conceito novo, deverá surgir como necessidade para que sejam subtraídas algumas perguntas crônicas. A flecha da intensidade das transformações urbana, a meu ver, criou esses espaços contemporâneos, hoje também resultado das tecnologias da informação. Essas mudanças parecem que remetem o deslocamento dos espaços aos sujeitos humanos, e não mais dos sujeitos humanos aos espaços. Esse mesmo sujeito humano, que tinha vida privada, coloca em xeque agora seu caráter privado (sexo, família, preferências pessoais), e não mais somente sua performance pública. Parece ser absorvido pelo mercado e não mais pelo estado, família ou religião.
(Texto impresso na edição nº 70 do Jornal Experimental Primeira Pauta)
Compreende poemas e crônicas que escrevo e mais alguns trechos escolhidos de autores singulares. Disponibilizo esses materiais para leitura, análise, crítica, ou qualquer outra forma de aproveitamento ou desaproveitamento. Como disse Eduardo Galeano, "escrever algo é como colocar alguma coisa dentro de uma garrafa e atirá-la ao mar. A possibilidade de que alguém a recolha é sempre remota." José Eduardo Calcinoni
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