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quinta-feira, 31 de agosto de 2006

FUTILIDADE DO MÊS DE NOVEMBRO



Hoje acordei assustado no meio da noite. Desciam pelo corpo calafrios transportados por gotas de suor. Foi uma espécie de ânsia protagonizada por eu mesmo. Desorientado e sem nenhuma excitação nervosa exterior, descansei pouco mais. Levantei e fui ver o que estava passando na TV — mais um daqueles programas religiosos em que o pastor afirma ter feito milagres e depois passa o número da conta e agência bancária — desliguei-a, pois estava quase me emocionando. Regressei à cama e me evolvi entre travesseiros deformados e lençóis perfumados de marofa. Mirei para o teto descobri de onde viria uma lendária goteira que escorria entre o vão da parede e o guarda-roupa, que sempre fica com as portas abertas para sair um pouco do cheiro de mofo. Num momento desenhava todo o teto, confundia-o com as nuvens de algodão — o tom escuro decorrente do bolor do teto me dizia que a previsão era para tempo ruim. A janela, a qual eu fixava olhares sobre os pregos enferrujados pela maresia, estava estranhamente nodoada. Zangou-se com a limpeza. A umidade salobra a deixava embaçada. Levantei vagamente da cama, caminhei até a sala, e sentei no meu novo antigo sofá, abrigo caseiro dos cupins, formigas e pequenos coleópteros. A estante: escudo de minhas idéias. Abriga livros perfurados por traças, edições amareladas do Primeira Pauta, CDs riscados e fotografias foscas de uma era sapiens. Há um grande amigo escondido naquela estante, dentro de alguma página perdida. O conselho certo para a hora certa. Olhos cansados: fechei-os. Imaginei o teto: diferente, tom mais fosco, como se agora estivesse limpo, com algo esculpido a qual não decifrei (pode ser que sejam as cavidades conseqüentes do mau reboco). Na estante: somente um livro. Não me contive, fui crê-lo. Sem codinome e progenitor, teor nulo. Progredi o processo de osmose cerebral misturado a ressaca da noite passada. Ganharam formas as letras, aos poucos. Minha lupa direcionada trincava-se. Li-as. Retornei à cama. Aspirei e transpirei em meu sonho. 11h47: Despertei suado. Acendi um cigarro barato e digeri um café adormecido. Tranqüilizei-me pouco mais. De volta ao velho sofá liguei novamente a TV, que insistia em apresentar chuvisco e ruídos. Olhei para a geladeira Cônsul modelo 1984, cor azul desbotado: estavam lá um calendário e a conta de água e luz, empenhadas. Pautaqueoparéu! Novembro! Preciso trabalhar!

José Eduardo Calcinoni

Há controvérsias!

Um comentário:

Fran Hellmann disse...

Uma leve impressão de autobiografia...