Hoje acordei assustado no meio da noite. Desciam pelo corpo calafrios transportados por gotas de suor. Foi uma espécie de ânsia protagonizada por eu mesmo. Desorientado e sem nenhuma excitação nervosa exterior, descansei pouco mais. Levantei e fui ver o que estava passando na TV — mais um daqueles programas religiosos em que o pastor afirma ter feito milagres e depois passa o número da conta e agência bancária — desliguei-a, pois estava quase me emocionando. Regressei à cama e me evolvi entre travesseiros deformados e lençóis perfumados de marofa. Mirei para o teto descobri de onde viria uma lendária goteira que escorria entre o vão da parede e o guarda-roupa, que sempre fica com as portas abertas para sair um pouco do cheiro de mofo. Num momento desenhava todo o teto, confundia-o com as nuvens de algodão — o tom escuro decorrente do bolor do teto me dizia que a previsão era para tempo ruim. A janela, a qual eu fixava olhares sobre os pregos enferrujados pela maresia, estava estranhamente nodoada. Zangou-se com a limpeza. A umidade salobra a deixava embaçada. Levantei vagamente da cama, caminhei até a sala, e sentei no meu novo antigo sofá, abrigo caseiro dos cupins, formigas e pequenos coleópteros. A estante: escudo de minhas idéias. Abriga livros perfurados por traças, edições amareladas do Primeira Pauta, CDs riscados e fotografias foscas de uma era sapiens. Há um grande amigo escondido naquela estante, dentro de alguma página perdida. O conselho certo para a hora certa. Olhos cansados: fechei-os. Imaginei o teto: diferente, tom mais fosco, como se agora estivesse limpo, com algo esculpido a qual não decifrei (pode ser que sejam as cavidades conseqüentes do mau reboco). Na estante: somente um livro. Não me contive, fui crê-lo. Sem codinome e progenitor, teor nulo. Progredi o processo de osmose cerebral misturado a ressaca da noite passada. Ganharam formas as letras, aos poucos. Minha lupa direcionada trincava-se. Li-as. Retornei à cama. Aspirei e transpirei em meu sonho. 11h47: Despertei suado. Acendi um cigarro barato e digeri um café adormecido. Tranqüilizei-me pouco mais. De volta ao velho sofá liguei novamente a TV, que insistia em apresentar chuvisco e ruídos. Olhei para a geladeira Cônsul modelo 1984, cor azul desbotado: estavam lá um calendário e a conta de água e luz, empenhadas. Pautaqueoparéu! Novembro! Preciso trabalhar!
José Eduardo Calcinoni
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