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quinta-feira, 30 de julho de 2009

CURTAS 4,5,6..


...dera eu, fosse o mar,

e navegar pelo seu léxico psicodélico líquido.


PEQUENEZ


E fostes tão algoz
agora
porém
não és o mesmo de outrora

E fostes além dos riscos
agora
 porém
estagnas num árduo conforto

E fostes tão instável
agora
 porém
ancora num lago sem beiras

E fostes tão quase
agora
 porém
pensas que um dia fora

E fostes tão por fora,
agora, porém,
estás mais dentro do que nunca.

E fostes tanto
agora
 porém
tens a certeza de ser pouco


terça-feira, 14 de julho de 2009

Curtas 1,2,3...


Morro,
sobrevivo a alma.
Alma?

Sim,
aquela mesmo 
de quando tentava ser poeta

Música

Na minha casa não há bandeiras
não há fronteiras
nem escuridão

Eu me abri
entreguei meu coração
você sorriu, disse não

Nada disso faz sentido
nada me faz sentir
Nada disso faz sentido
sem ter tido

"Querer o meu não é roubar o seu
pois o que eu quero é somente,
simplesmente em razão do eu"*

Há somente uma luz
uma força que me guia
a caminho do que não sei

Há somente poesias ingratas
encarnadas pelo ego do eu


*Trecho da música Novo Aeon, de Raul Seixas

terça-feira, 19 de maio de 2009

Trechos do livro CATATAU, de Leminski, publicado em 1975.


"Que flecha é aquela no calcanhar daquilo? Picatacapau! Pela pena é persa, pela precisão do tiro — um mestre. Ora os mestres persas são sempre velhos. E mestre, persa e velho só pode ser Artaxerxes ou um irmão, ou um amigo, ou discípulo ou então simplesmente alguém que passava e atirou por despautério num momento gaudério de distração. Flecha se atira em movimento, ninguém está parado. Nem o cavalo, nem o cavaleiro; nem a mente, nem a mão; nem o arco, nem a flecha, e o alvo o vento leva: tiro certo. Dentiscalpium in oculo. Todo teu lado direito puxa a linha, todo o esquerdo segura a flecha. Spes! Tiro feito, volta-se à unidade perdida. Mas arcos atrás isso não é coisa que se diga, que se faça, arqueiro pouco diz. Cala-se, de hábito, porque ignora tudo na arte em que é exímio. Depois, velhos não são dados a festas. Lísbia sabatária — bazanz! Sabazii sabaia! Copaplena! Muito sabe, pouco ri. Enquanto muitos riem, os mestres a portas fechadas meditam sobre a guerra. O primeiro gole de vinho melhora o tiro, o segundo gole — só Zenão! Assim como o primeiro tiro aprimemora o segundo tiro, a segunda flecha corrige a receita. Eclipse entra no sol em frente duma flecha persa, o sol pára e Xerxes o preenche a flechas. Como viver à luz de flechas? Da arte — não se vive; ver flor, calar. E calando a boca, de assunto mudo, vamos falar de flechas persas. O assunto me muda. O silêncio, próprio de alunos, instrui. Mas só os mestres sabem calar dizendo tudo. Tudo é ainda pouco. Na gata! Acertou na gata, paragate, parassangate! Tudo não tem detalhes. Na arte, detalhe é tudo, todo cuidado é pouco em se tratando dos mínimos detalhes que lhe derem na telha. Veja um mestre, por exemplo; como se move, como se levanta, como sabe fazer bem as coisas que todo mundo sabe. Mas há mestres e mestres. Nem todo mestre é próspero. Alguns cultivam artes sutilíssimas. Esses, às vezes, não têm apóstolos. São os últimos pioneiros. Livro não adianta. O dedo do mestre é sempre mais que o centro aonde aponta, ou não então? A cara dos mestres é o modelo das máscaras. Que cara alguém terá para erguer a máscara que jaz sobre a cara dos mestres? Tem uma palavra muito boa para dizer isso mas os mestres não ensinam a falar, só a fazer. O que se pode dizer da arte nada tem que ver com ela. O mestre é onde a arte já morreu: por isso, mestres não lutam. Sempre há coisas que aprender: um pequeno truque, um meneio mais rápido, um trejeito gaiato, um grito junto. O que os mestres sabem é o que há para aprender."

°°°

"A sombra traz um vento soprando o lume só para ver a que mundo este se resume. Mina e tresmina, por ventura, se for, pendura: já pensou o que é o bandido na história do gênero humano? O desqualificado atrás dos matos, esperando passar o produtor, e preda-o! Salpicado de súplicas, venham e envelheçam vindo: me castisalfo com pouco, — trinca e destrincha, pierre catrinta! Quem depois de assaltado, roubado e rapto, tendo perdido o senso da propriedade junto com seus pertences, segue seus captores e acaba tetrarca da quadrilha! Quando eu mais contava em ficar louco, fiquei apenas tonto, o que está para o pretendido assim como o pretendente está para a pretensão! Constrangido, quem me constrange? Constrangem-me alfângelos e quimelanges! Acenda essa cozinha, bota a ferver, ferviture-te, salutão! Não foi nada, todos compreenderão: nada sem certa luz que me miliúnica no apagar da vela — aos olhos deslumbra, ofusca, embacia, envesga, cega e vaza. Houve quem dissesse, aqui jaza como se estivesse em sua própria casa, tentando a ferro e fogo passar despercebido por meu ímã e águas, ora, onde é que nós estamos que já não reconhecemos os desconhecidos? Quer ter a bondade de martirizar essa santa ignorância? Levantar o dedo, é só não estarem olhando. Um odor, um abano asmático, um aceno espasmódico, um sínodo sistemático, ou então um som, ou senão for um reflexo, fiquei sem ter o que dizer, na surdina da oitiva, na pior das hipóteses! Quando não dá pé, pergunto: tão raso o quanto antes passei? Escantilhado em conheceiras, convosco quisera cruzadas serenimonhas em outras desencurtilheiras! Um acorde discrepante, um prenhilunho: combates são biscates, destaque os banquetes! O homem idôneo, no momento quandâneo, no lugar ubíquo: lautas mãos pilantras, incólumes na calamidade. Uma cabeçada no pé, uma mancada na palma da mão, uma cotovelada virando o coxo do cachorro magro, uma olhada atravessada, uma pedagógica no meio do pontapeito, amanhã, ao cantar o galo, sem saber de que lado, venham! Me arrependiam os cabelos, perde o pêlo no medo onde se pela, interpelanca: lã costeando, lá se dói tosqueado! Não fale mal de boca cheia, do prato cheio — não vire o ninho da galinha choca, dobre a língua e brade a vagina a seu bom bradar: meteu o braço na cumbuca, a cabeça a quem lhe caiba a arapuca; a perna me coxeia, percebo cancelas naquelas canceiras canelas. Num ouvido, escrito: . ENTRADA, noutro ouvido, escrito: SAÍDA — em cada rasto, a estampa de seu rosto para espanto de todo um outro resto! "

ººº

quarta-feira, 13 de maio de 2009

CURTAS ººº

Amanhã é outro dia
depois de amanhã outro
de repente, outros dias virão.

°°º ººº ººº ººº

Hoje sonhei estranho.
Tão sujo sonho.
Só restou-me um banho.

°°º ººº ººº ººº

O mar caminha pela areia
Vago na praia a procura:
Conchas, lâmpadas, sereias...

°°º ººº ººº ººº

Minha maior irresponsabilidade
Foi um dia acreditar
nessa tal responsabilidade.

°°º ººº ººº ººº

De onde todo encanto?
Promessas de amores?
Milagre de algum santo?

°°º ººº ººº ººº

Nadou, nadou,
Nada!
Afundou.

°°º ººº ººº ººº

Tudo ficou em paz.
Lendo um poema raso,
morri uma noite atrás.

°°º ººº ººº ººº

Nada foi tão quanto
Quanto foi tão nada
Quanto nada! Quanto?

°°º ººº ººº ººº

Dor elegante.
Tão dolorida que dói,
elegantemente todo instante.

°°º

O MAGO, SARAMAGO.





sexta-feira, 3 de abril de 2009

Pode ser que seja (música)



Mais um dia/uma palavra
Um sol/um só
Ao meio dia/a noite inteira
Um laço/um nó
Uma palavra/uma só boca
Uma lição que sabe de cor

E assim será
quem sabe seja?
Um pessoa
ou todos nós

Uma descida/uma bebida
Meia vida/melhor
No deserto/no mar
Palavra simples/código-mor
Numa estrofe/da poesia
Na caída/do sol

Na encruzilhada/na restinga
Há muitas milhas/há muitos nós
Numa rima/na melodia
Na multidão/a sós
Num precipício/numa planície
Na carne viva/no pó

E assim será
quem sabe seja?
Um pessoa
ou todos nós